(Che por Andy Warhol, direitos reservados)No domingo, dia de Óscares, pude rever na televisão o belíssimo filme de Walter Salles, Diários de Motocicleta (também aparece como Diários de Che). Curioso como uma segunda leitura nos permite sempre um outro olhar. Continuei a achar o filme interessante, claro, e acertada a escolha do mexicano, mas cada vez mais internacional, Gael García Bernal para dar vida ao jovem Ernesto "Che" Guevara. Mas não pude deixar de pensar também que o filme nos dá uma visão (demasiado) romântica e muito idealizada da figura de Che, totalmente conforme ao mito que se criou à sua volta. É impossível não simpatizar com aquele Che.
Mas, pergunto-me, terá sido mesmo assim? Não há como o saber, nem o que teria acontecido a Che, hoje um ícone Pop do inconformismo, caso não tivesse sido assassinado tão cedo. Será que continuaria ao lado de Fidel? Será que, em nome de um ideal, teria cometido os mesmos erros e os mesmos desmandos que o seu velho companheiro de luta?
Não existem respostas para estas perguntas, eu sei, mas tudo isto me trouxe à lembrança uma introdução que escrevi, há uns anos, sobre Cuba para a revista Rotas & Destinos. Para mim, o que escrevi na altura continua a fazer todo o sentido.
Tenho-me na conta de alguém que, mais do que contra, é totalmente avesso a regimes não democráticos, onde o povo não tem, por mais que não existam sistemas perfeitos, direito a expressar-se livremente e a escolher que rumo dar à sua vida. Mas também eu já me flagrei, mais do que uma vez, a dizer que tinha de ir a Cuba antes de Fidel morrer porque depois nada será igual...
É uma contradição que não é só minha, e que talvez nem o carisma ou o inegável estoicismo do líder cubano sejam suficientes para explicar, mas não deixa de ser algo que me incomoda, pois, por mais que a figura do “barbudo” (até nisso ele é fiel à imagem que criou) seja hoje suavizada e até vista com uma certa galhardia por vários regimes democráticos do mundo inteiro (Portugal incluído), a verdade é que não há como negar que Fidel cometeu e continua a cometer (como o provam as execuções sumárias de intelectuais que se opunham ao regime, e de quem Fidel aproveitou para se livrar quando as atenções estavam todas viradas para o Iraque) autênticas barbaridades e atropelos aos mais elementares direitos humanos (de que nos dão conta filmes como Antes que Anoiteça, com um espantoso Javier Bardem no papel do escritor cubano Reinaldo Arenas, obrigado a exilar-se por ser homossexual assumido).
Só que há sempre o outro lado da história, ou seja, a posição dos EUA, que mantêm até hoje um embargo desumano e que, por muitos e bons anos, fizeram de Cuba, através de dirigentes-fantoches como Batista, uma espécie de recreio balnear onde, atrás do aparente glamour, proliferavam os negócios mafiosos e uma degradação das condições de vida de todos aqueles que não pertenciam à elite cubana...
Uma coisa é certa, a comunidade cubana exilada em Miami está desejosa de deitar as mãos ao arquipélago e é mais do que garantido que, assim que o bloqueio decretado pelos EUA terminar (e que por agora impede que qualquer cidadão ou empresa norte-americana gaste ou invista dinheiro em Cuba), vários milhões de turistas daquele país vão “tomar de assalto” este destino, com vantagens comparativas (a nível de distância e de preços) difíceis de bater por outras ilhas da região. Mas, se quer ir a Cuba antes da entrada maciça dos norte-americanos, descanse que ainda tem algum tempo, pois o governo de Bush, ao tomar conhecimento que muitos dos seus cidadãos estavam a aproveitar-se das licenças culturais para irem fazer turismo em Cuba, restringiu ainda mais a concessão dessas permissões especiais e agora, a menos que sejam jornalistas, estudantes, missionários ou com outra actividade ou propósitos previstos pela lei, os norte-americanos estão cada vez mais proibidos de ir a Cuba (mesmo que todos os anos entrem ali centenas de americanos através de terceiros países como o México, as Baamas ou o Canadá).
Enfim, talvez seja menos politicamente correcto, mas em termos de consciência, se ainda não foi a Cuba, pode sempre dizer que tem de lá ir antes que cheguem, de novo, os americanos (in Rotas & Destinos).