30.7.07

Sorte

A semana começa trazendo consigo a canícula dos dias que ficaram para trás. Eu sei que andámos a pedir, a clamar por um Verão digno desse nome, mas, por mim, não precisava ter chegado com tudo. Salve-se a rara oportunidade de me proporcionar umas noites amenas, que me lembram a infância e a mais tenra juventude, e vão sendo escassas nos dias de hoje. E tudo o que apetece agora é ficar longe do trabalho (impossível para já), ficar a ver a vida correr sem pressas, sair para a rua, colocar uma mesa ao ar livre e ficar à conversa com pessoas de quem se gosta. Tudo regado com muita sangria, de preferência branca ou de espumante, bem gelada! Como música de fundo pode ser esta que descobri, faz pouco tempo, da Vanessa da Mata com o Ben Harper. Adoro. Boa Sorte. Boa semana!

27.7.07

Bom fim-de-semana!

Close-up de uma magnólia


Aimée Mann esteve em Lisboa no dia 25. Não fui vê-la, para pena minha. Mas tive a oportunidade de rever o filme. Para quem não sabe, ou não se lembra, a música desta senhora foi um fio condutor fundamental na trama de
Magnolia, com Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman e Tom Cruise, entre outros. Não é um filme fácil, mas é um filme essencial para nos (re)lembrar que mesmo o remorso, o sofrimento ou a mágoa das palavras não ditas na hora certa não são definitivos. Estamos sempre a tempo de recomeçar. Assim sejamos capazes de o entender. Deixo-vos aqui Wise Up com os votos de um bom fim-de-semana! Esta trilha, belíssima a meu ver, foi um pouco banalizada devido à sua forte mensagem, mas ainda hoje não me livro de um arrepio sempre que a escuto.

19.7.07

A ilusão



Era uma vez um miúdo que não gostava de circo ― quando todas as outras crianças riam com os palhaços, ele, apavorado, chorava.

O miúdo não gostava de circo, mas queria ser como o rapaz do trapézio voador.

O miúdo, agora homem, tornou-se o rapaz da porta ao lado e não o rapaz do trapézio voador.

O rapaz da porta ao lado passou a invejar o rapaz do trapézio voador porque o rapaz do trapézio voador era tudo aquilo que ele, o rapaz da porta ao lado, queria ser mas não era.

O rapaz da porta ao lado invejava a liberdade e a audácia do rapaz do trapézio voador porque o rapaz do trapézio voador arriscava a vida todas as noites, ao passo que ele, o rapaz da porta ao lado, se limitava a viver sem riscos.

O rapaz da porta ao lado invejava o rapaz do trapézio voador porque o rapaz do trapézio voador vivia na luz, ao passo que ele, o rapaz da porta ao lado, se limitava a ficar quieto na sombra.

O rapaz da porta ao lado invejava o rapaz do trapézio voador porque o rapaz do trapézio voador conservava as suas asas e a ilusão intacta de tocar no céu, ao passo que ele, o rapaz da porta ao lado, tinha trocado as suas asas pela ilusão de ser apenas um homem entre os homens.

Mas, um dia, o rapaz da porta ao lado descobriu que também podia ser o rapaz do trapézio voador.

Como um ilusionista que, à força de tanto repetir o truque, se convence da ilusão, também o rapaz da porta ao lado acreditou que podia ser o rapaz do trapézio voador.

Todas as noites, o rapaz da porta ao lado pendurou-se no trapézio, a baloiçar de um lado para o outro, à espera de alguém que agarrasse a sua mão estendida.

Todas as noites, o rapaz da porta ao lado lançou-se do trapézio, num voo sem rede, à espera de ter uma mão estendida a que se agarrar.

Até que se cansou de esperar.

O rapaz da porta ao lado cansou-se de ser o rapaz do trapézio voador e quis voltar a ser apenas o rapaz da porta ao lado.

O rapaz da porta ao lado deixou de invejar o rapaz do trapézio voador porque descobriu que o rapaz do trapézio voador fazia da ilusão a sua vida, ao passo que ele, o rapaz da porta ao lado, fazia da vida, sempre que queria, uma ilusão.

17.7.07

Compasso da Solidão

A solidão não me assusta. A solidão não me condena nem me julga. A solidão é uma boa companhia quando se quer estar só. Mas hoje senti a falta do toque de uma mão que não a minha. De um afago que não o meu. Quis e não fui tocado ao de leve. E logo hoje que queria sentir a minha pele arrepiada, retesada, contraída. Em antecipação.

Quero de novo a mão que desliza no meu rosto antes de se soltar o beijo. Quero o hálito sussurrado na minha orelha, a mão que acaricia o meu pescoço, os lábios comprimidos contra a barba áspera.

Quero a mão pousada no meu peito. A mão que mapeia o meu corpo, às cegas, apenas guiada pelo instinto. Quero sentir a língua que escorrega por mim. Quero sentir dedos à deriva no fio de suor morno que me escorre pelas costas.

Sinto saudade de sentir alguém aninhado em mim, de sentir um corpo de encontro ao meu. Pele com pele. Fundidos num só.

Sinto saudade de ficar suspenso no tempo, perdido num abraço tão apertado que até me esqueço de respirar ao meu próprio compasso. De ficar impregnado de um perfume agridoce, que não consigo distinguir se é meu, teu ou dos dois. Mesclados num só.

O desejo (aspirar a) e a vontade (querer) não moram longe, mas têm andado desencontrados. Desavindos. Está na hora de se encontrarem. No mesmo dia. À mesma hora. Na mesma esquina. A solidão não me assusta. A solidão não me apressa. Mas hoje não me apetece tê-la por companhia. A solidão envolve-me, mas não me abraça. Vela o meu sono, mas não me toca.

13.7.07

Dia de Beatriz

Claude Monet


Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ai, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida
(Beatriz, por Edu Lobo e Chico Buarque)



Hoje é dia de Beatriz. Uma Beatriz muito especial na minha vida, daí a música. Mas é também véspera de mais um fim-de-semana. Eu sei que o calor pede praia, mar e sombra fresca. Só que, assim de repente, como diria a Marta R., estou mais a ver a sombra fresca de uma árvore enorme num jardim e uma mesa posta com capricho campestre. Em vez de ir caetanear ou djavanear por ai, acho que vou mesmo é piquenicar. Bom fim-de-semana!

11.7.07

A propósito



Falei em despedidas e na necessidade de seguir em frente, rumo a um novo caminho. Alguém entendeu a mensagem e mandou-me este trecho de Fernando Pessoa:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia…e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”

Nem de propósito.

10.7.07

O olhar



Gosto do olhar. Aliás, gosto de muitas outras coisas na expressão. Mas um olhar pode dizer tanto. Um olhar pode dispensar as palavras. Um olhar não se intimida com o silêncio. Hoje acordei assim, a apetecer-me ouvir de novo uma música que ficou (a música e o filme). Para quem quiser, The Blower's Daughter, por Damien Rice, e também uma versão, interpretada por Ana Carolina e Seu Jorge, que um amigo brasileiro me fez descobrir um dia destes. É isso ai.

9.7.07

De volta ao aconchego

(Morro do Pai Inácio, Chapada Diamantina, Bahia, D.R.)


Ponto um
Eu sei que a Luana é bonita e tal, mas que abusei da vossa paciência ao deixá-la aqui por mais de duas semana sem postar nada de novo. Que saibam: as vossas reclamações foram devidamente registadas. E só por causa disso não vou colocar o ensaio fotográfico que a a moça fez para a revista Trip por ocasião dos seus trinta anos. Sim, ela também já chegou lá...

Ponto dois Fui contrariado, mas voltei da Bahia com o axé em cima. Para os que, como eu, julgavam que axé era só um tipo de música, saibam que axé, antes de mais, é sinónimo de astral. Bom astral. Gostei particularmente das caminhadas que fiz na Chapada Diamantina (o Morro do Pai Inácio, onde é preciso subir uns bons 15 minutos para chegar ao topo e ter aquela vista maravilhosa da foto de bandeja, está de prova) e dançar forró na véspera de São João nos bailes de Lençóis. Se julgam que o São João do Porto mobiliza muita gente, então não imaginam a confusão no Nordeste brasileiro à conta das festas joaninas.

Ponto três Chegar a casa é bom. Muito bom. Sobretudo porque consegui escapar às greves loucas dos controladores aéreos brasileiros, que têm deixado o país apeado nos aeroportos. O pior foi que, à chegada, me dei conta de que o trabalho deixado para trás continuava por fazer, à minha espera com um sorriso cínico nos lábios. E ai foi duro. Muito duro o regresso à normalidade.

Ponto quatro Não tive pachorra para assistir à Gala Maravilha (que de maravilha teve muito pouco a avaliar pelas gaffes, mas enfim...), mas espreitei para saber as eleitas em Portugal e no Mundo. Como disse mais do que um jornalista ali presente, esta iniciativa vale o que vale. Temos de pensar nela como uma estratégia de marketing e como uma curiosidade. Nesse sentido, fiquei feliz por o Cristo Redentor ter sido eleito - mas é o coração a sobrepor-se à razão, reconheço-o sem pudor. Parece que do outro lado do Atlântico (e também deste, eu votei), levaram a sério Lula e o seu slogan "Vota Cristo".

Ponto cinco Há coisas que são inevitáveis. E como inevitáveis que são, o melhor é despachá-las enquanto estão quentes. Eu e M. abdicámos de um domingo que estava melhor para a praia e fomos cumprir a nossa "obrigação" cultural (nós e mais umas largas dezenas de pessoas, que quiseram aproveitar ser à pala até dia 15). Está visto. O Museu Berardo, digo. Não me vou alongar a tecer considerações sobre o senhor nem se o país precisa ou não desta colecção. É um espólio considerável, a não desprezar em qualquer parte do mundo, mas não gostei de duas coisas: irrita-me que, de futuro, o CCB fique sem espaço para outras exposições maiores, caso da famosa World Press que era já um clássico ali; saí de lá também com a impressão de que o espaço e a disposição da colecção foram improvisados. Nota-se, à légua, que aquele espaço não foi pensado, de raiz, para acolher este espólio.

Ponto seis Sabe igualmente muito bem terminar uma tarde de sol virado para o rio, a ver literalmente os barcos passarem, deitar conversa fora e matar a sede. Só me arrependo de não ter bebido um mojito, mas a M. lançou-me um olhar reprovador. Afinal, ela sabe que não andei movido a água por terras de São Salvador.