30.11.07

Golegã (3): passeios

Hotel Lusitano com estúdio de Carlos Relvas ao fundo

Mas nem tudo se resume ao Hotel Lusitano, afinal, convém não esquecê-lo, estamos em terra de cavalos. Animado pela possibilidade de vê-los no seu meio, saio da Golegã, em direcção ao Entroncamento, rumo à Quinta das Vendas. O caminho é curto e à chegada sou saudado pelo Luís Miguel, responsável pela boa forma física dos animais. Uma vez aqui, podem optar por um sem número de actividades, nas quais se incluem aulas e passeios, mas aproveito o à-vontade do meu anfitrião, que se trajou a rigor, para sairmos numa das charrettes mais antigas da quinta, puxados pela égua Roca. Decidimos ir até à Quinta da Cardiga, junto ao Tejo e a Vila Nova da Barquinha, mas para isso temos de atravessar uma estrada movimentada. A égua está nervosa. Apeio-me e ajudo a charrette a passar com segurança. Esta quinta, e as cruzes bordadas na pedra dos frontões à entrada não mentem, pertenceu à Ordem dos Templários e depois aos Freires de Cristo. O Palacete, com magnífico retábulo quinhentista de pedraria e torreões circulares, bem como os jardins, está fechado a cadeado, mas a área imensa à volta, pese embora um certo ar de abandono, pode ser livremente percorrida.

Com o sol a cair a pique, despeço-me de Luís Miguel e da égua Roca e deixo para a manhã seguinte uma visita à Quinta da Broa. Situada à entrada da Azinhaga, aquela que se diz “a aldeia mais portuguesa do Ribatejo” e partilha a campina com a sua vizinha Golegã, é quase impossível falhar a enorme casa branca, de porte aristocrático, que ladeia a estrada de terra batida até Mato de Miranda. Trata-se de propriedade privada, mas, como é hábito por aqui, o pesado portão de ferro está aberto de par em par e franqueia a entrada para um amplo pátio, rodeado de construções tingidas de matizes invernais. Os actuais donos da quinta, a família Veiga, bem conhecida nas lides tauromáquicas pela coudelaria que leva o seu ferro, estão habituados a que este conjunto de casas agrícolas, com destaque para o palácio velho (cujo interior está repleto de belos frescos restaurados, muitos dos quais alusivos à faina agrícola), desperte a curiosidade de nacionais e estrangeiros. Talvez por isso, na medida do razoável e dependendo da forma como é feita a abordagem, tentam honrar a tradição antiga, iniciada pelo fundador Rafael José da Cunha, de atender quem bate à porta ― com uma diferença: antes, as pessoas vinham pedir um naco de broa (esse costume acabou por determinar a toponímia da quinta); hoje chegam aqui atraídas pela sua história. Quem sabe, um dia, as casas outrora destinadas aos empregados, e agora quase todas vazias, se convertam num belo projecto turístico.

Luís Miguel a atrelar a égua Roca, Quinta das Vendas


Por ora, é também pela Azinhaga, que tem um núcleo de solares, ermidas e explorações agrícolas interessante, que se faz o acesso até à Reserva Natural do Paúl do Boquilobo, em tempos refúgio da maior colónia de garças da Península Ibérica. Entre os rios Tejo e Almonda, a reserva estende-se por 529 hectares e encanta pelos seus maciços de salgueiros e freixos. Lamento não ter trazido uma bicicleta comigo, pelo que me contento em caminhar um pouco até ao seu interior, com charcos durante quase todo o ano, onde se encontra uma maior variedade de plantas aquáticas e caniçais. Infelizmente, a Primavera tarda, pelo que não avisto nenhuma das aves aquáticas selvagens (sobretudo da família das garças) que aqui nidificam.

Já de saída para Lisboa, olho para a paisagem calma que me cerca. O rio, o gado e os cavalos à solta nas pastagens, a planura dos campos férteis ― numa terra onde muitos têm ainda na agricultura, na pecuária e na exploração das florestas o seu principal sustento ― baralham quem veio da cidade grande e se resignou a ouvir falar deste modus vivendi como se estivesse ferido de morte. Muita coisa mudou. A Golegã e o Ribatejo não estão imunes à modernidade nem aos seus contratempos. Mas, como alguém me disse, os ribatejanos estão empenhados em que, pelo menos neste canto de Portugal, não se percam para sempre certos usos e costumes. Nós agradecemos.

COMO IR

Para quem vêm do Porto ou de Lisboa pela A1, deve entrar na A23 em Torres Novas/Abrantes e virar no Km 17, na direcção de Barquinha/Entroncamento. Depois é só continuar pelo IC3 até à Golegã.

ONDE FICAR

Hotel Lusitano – Rua Gil Vicente, 4, tel.: 249 979 170
Diárias a partir de €135 (consultar pacotes e promoções).

ONDE COMER
Num raio de 50 km existem inúmeros restaurantes afamados, pelo que é possível, com a ajuda do hotel se quiserem, organizar um roteiro gourmet.
Hotel Lusitano – Rua Gil Vicente, 4, tel.: 249 979 170
Preço médio da refeição: €35
O seu restaurante, com vista desafogada para o jardim, não tem paralelo nas redondezas.
Restaurante Lusitanus - Largo Marquês de Pombal, 25
Preço médio da refeição: €12
É um espaço cuidado, debruçado sobre o Largo da Feira, onde se pratica uma boa cozinha regional.
Café Central – Largo da Imaculada Conceição, 9-11
Preço médio da refeição: €13
Cozinha tradicional portuguesa com destaque para o Bife à Central.
Casita D’Avó - Rua Dom Afonso Henriques, 30
Preço Médio da refeição: €12
Pequena casa, sem luxos, mas muito procurada pela sua cozinha regional esmerada.

ONDE COMPRAR
Casa Connosco – Av. Dr. José Eduardo Victor das Neves, nº35, 1º, Lj. L, Entroncamento, tel.: 249 726 250
Muitos dos objectos usados na decoração do hotel podem ser adquiridos nesta loja de Teresa Matos.


Portal manuelino da Matriz, D.R.

O QUE FAZER
- Admirar a Igreja Matriz do século XVI, com um belo portal manuelino e painéis de azulejos do século XVII.

-
Passear de charrette até várias quintas das redondezas, como a Quinta da Cardiga ou a aristocrática Quinta da Broa.


Picadeiro do Centro Hípico Lusitanus, D.R.

- Andar de bicicleta pela Reserva Natural do Paúl do Boquilobo.
- Marcar umas lições no picadeiro do Centro Hípico Lusitanus, no Largo Marquês de Pombal, nº25.

Museu Municipal de Fotografia Carlos Relvas, D.R.

- Visitar o Museu Municipal de Fotografia Carlos Relvas, no Largo D. Manuel I. Carlos Relvas criou o primeiro estúdio fotográfico do mundo a ser construído de raiz.
- Mimem-se no Puro Spa, a funcionar no hotel (aberto a não hóspedes), com tratamentos a partir dos €40 (mínimo 30 minutos) e pacotes a partir dos €240 (mínimo seis sessões).

29.11.07

Golegã (2): restaurante e spa

Restaurante

O restaurante do Hotel Lusitano (preço médio da refeição: €35) está num alpendre fechado, contíguo à sala de estar. É um espaço agradável, com bastante luz natural e boas vistas para o jardim, onde não é improvável cruzarmo-nos com figuras ilustres da terra como o presidente da Câmara. O jovem chef José Avillez prestou consultadoria na primeira carta, mas hoje a cozinha está a cargo de Paulo Costa, que passou pelo afamado Eleven, em Lisboa. Com várias tasquinhas à volta, onde se come bem e barato, este restaurante almeja conquistar uma clientela, dentro e fora do hotel, que aprecia detalhes como os copos de água azuis de Aino Aalto ou os talheres da Hepp Exclusiv, mas que também não abdica de um cardápio equilibrado, que saiba tirar partido dos produtos sazonais da região e dar-lhes um toque de modernidade. Um bom exemplo disso são as entradas, onde o chef admite poder “brincar” um pouco mais, sendo possível degustar coisas como um Torricado de ovos mexidos com farinheira, por exemplo. Na carta de Inverno, sempre que for oportuno, vai introduzir pratos de caça.

Bar e jardim, com mobiliário de exterior da Dedon


Nem de propósito, o Puro Spa (tratamentos a partir de €40, mínimo 30 minutos) fica em frente. É intenção do hotel recorrer aos serviços de uma nutricionista para ajudar a preparar menus pouco calóricos e que se moldem à ideia de proporcionar “clínicas de bem-estar”; por outras palavras, uma espécie de retiro para descansar, relaxar e desintoxicar. Instalado num pavilhão construído de raiz, onde também passou a funcionar um bar aberto para o jardim, este spa faz por honrar o nome e não se limita, como é prática comum, a uma salinha nos fundos. Nota-se o mesmo cuidado nos detalhes, a começar na boneca de porcelana da artista plástica Maria Rita, autora também das bolas de Pilates revestidas a feltro que substituem as useiras cadeiras, ou nas jarras sete noites da Tsé & Tsé, desta feita em negro, mas é mais do que (só) isso. Como o arquitecto Quintanilha já não foi a tempo de acompanhar a obra, Teresa e Raquel tiveram uma intervenção mais directa na escolha dos materiais e acessórios, pelo que optaram por deixar as paredes em cimento afagado ou por criar soluções engenhosas como as algas suspensas da Vitra, que proporcionam, juntamente com os colchões (serão poufs?) policromáticos da FatBoy, um ambiente único na sala de repouso. Na piscina coberta, a tepidez da água faz-me esquecer, num ápice, o frio lá fora. Flutuo de olhos postos no tecto robusto de madeira e sinto-me no ventre de um navio.




28.11.07

Golegã (1): o hotel

Pela cortina mal fechada entra um feixe de luz que se detém no tecto e faz sobressair, como na técnica do claro-escuro, os seus ângulos agudos. A custo, separo-me do edredão fofo e vou até à janela. A neblina chegou de mansinho pela noite e não se foi embora. Distingo na bruma o casario baixo circundante, tão típico da Golegã, e o chalé de Carlos Relvas, mas não avisto, para lá dos limites da vila, a campina, com as suas alvercas e chaboucos, que ainda ontem lá estava. É tempo de descer, tomar o pequeno-almoço e o sol dar-nos-á um ar da sua graça. Mesmo num dia de Inverno como este.


Estúdio-museu Carlos Relvas, D.R.

Quem se habituou a associar a auto-proclamada capital nacional do cavalo ao rebuliço das duas primeiras semanas de Novembro, altura em que a Golegã atrai a si apreciadores e curiosos do mundo inteiro, talvez demore a acostumar-se à pacatez com que se vive aqui no resto do ano. O Hotel Lusitano, inaugurado há cerca de um ano, pretende beneficiar da proximidade de Lisboa ― sem trânsito, a viagem faz-se em menos de uma 1h30 ― para dar a conhecer a hospitalidade e a paisagem ribatejanas. Mas não vão à espera do óbvio. Do mesmo modo que estilizaram a figura do cavalo para fazer dele o seu ícone, apenas presente em subtis pormenores, Teresa e Raquel, duas engenheiras de formação que se encarregaram dos interiores, não recriaram no hotel a casa ou a quinta ribatejanas.


Vista geral do jardim e da ala nova


Sala de estar

José Dias Vieira comprou um belo casarão antigo a dois passos da igreja matriz e do pelourinho. Nele viviam antes duas irmãs idosas para quem a casa assimétrica de dois pisos se tinha tornado grande demais. O projecto de conversão em hotel foi então entregue ao arquitecto Francisco Quintanilha, entretanto falecido, que tratou, entre outras coisas, de altear o sótão para ganhar um segundo piso e de construir uma nova ala assumidamente contemporânea por contraste ao edifício original.

Bar visto a partir da sala de estar

Resolvida a questão arquitectónica, Teresa e Raquel, noras do proprietário, chamaram a si o desafio de dar conteúdo a um hotel de 24 quartos, em que apenas quatro são iguais, e transformá-lo numa unidade de charme contemporâneo, sem cair no cliché do design pelo design ou na tentação de enveredar pelo exótico-rural. Aproveitaram soalhos flutuantes, portadas e portas de origem, como a que separa a sala de estar do bar (e que se repete, no primeiro andar, no quarto 115), e trataram de as combinar, na casa antiga, com tons neutros e achocolatados, tecidos agradáveis ao toque, painéis em madeira rendilhada (há um particularmente bonito por cima da lareira, na sala), gravuras de Martins Correia cedidas pelo Museu Equus Polis e muitas peças escolhidas a dedo que Teresa, graças à sua loja de decoração (teresamatos@soladrilho.pt), garimpou junto de vários designers e artistas plásticos nacionais e estrangeiros.

Jarras sete dias criadas pela Tsé & Tsé


Almofadas de Teresa Martins

E foram detalhes como as almofadas bordadas de Teresa Martins, os apliques de parede Caboche, desenhados por Patricia Urquiola e Eliana Gerotto para a Foscarini, os candeeiros de Luísa Peixoto ou as jarras sete dias de cor opalina, de Sigolène Prébois e Catherine Lévy para a Tsé & Tsé, que não passaram despercebidos à revista Condé Nast Traveler e que já levaram as duas a serem convidadas para decorar um projecto nas ilhas Caimão. Aliás, todo o mobiliário escuro dos quartos, com linhas simples e ângulos rectos, é da sua autoria, sendo apenas combinado com roupa branca nas camas e tecidos, de cor verde ou laranja, da Designers Guild a forrar cadeiras e otomanas.

26.11.07

Parece que foi ontem


Mudou de nome, mudou de propósito e tem andado ao sabor de humores e de (maiores ou menores) disponibilidades. Mas sobreviveu, para minha surpresa, até hoje, a tempo de celebrar um ano de vida. Como sempre gostei de fazer as coisas à minha maneira por aqui, este post não vai ser diferente. Em vez de um bolo, um texto. Um tango que imaginei dançado ao som de um dos temas de Shigeru Umebayashi - em especial o Yumeji's Theme - que dão corpo a um belíssimo filme de Wong Kar-Wai, In the Mood for Love. Para ilustrar, não me ocorre nada melhor do que uma prancha de Hugo Pratt, num livro precioso de Corto Maltese.
E porque há coisas que têm mais sentido quando vividas em boa companhia, obrigado.

Tango

Rodopiamos
Embriagados pela luz
Sem despregar o olhar

Eu avanço
Tu recuas

Tropeçamos no ardor
Mas os corpos amparam a queda
Num compasso a dois tempos

Arremesso-te
Tu resistes

Faço-te girar
Tu rebates

A parede nua é a minha teia
Cerco-te por todos os lados
A minha língua é veneno
que te entorpece

Mas o desejo em ti aceso encadeia
Cego, apenas guiado pelo teu cheiro,
Devoro a tua boca

Sopro segredos ao teu ouvido
Os teus lábios devolvem murmúrios
São minhas as mãos que por ti deslizam
É tua a pele que se eriça ao meu toque

E porque a vertigem é passageira
Mas a ilusão pode ser eterna
Enredamo-nos na parede nua
Sem pressa dela sair.


23.11.07

Bom fim-de-semana!

Já nas bancas. Em breve poderão ler também aqui

19.11.07

Pé na estrada...

Golegã, D.R.

A Feira Nacional do Cavalo já lá vai, bem como o Verão de São Martinho e o garbo dos cavaleiros à portuguesa, mas esta semana vou em trabalho para a Golegã. Quando voltar, logo conto como foi.

16.11.07

Viena (5): noite

Donaustadt, Viena, D.R.


Comparada com muitas das exposições, permanentes ou temporárias, em cartaz no Museumsquartier, True Romance: Alegorias de Amor desde a Renascença até ao Presente, em exibição até 3 de Fevereiro na Kunsthalle, é manifestamente fraca. Mas é aqui que acabo por encontrar, num desses acasos que não o são, um bilhete que não resisto a ler. Chego até ele depois de vaguear, ao som da sacerdotisa do amor Björk, por entre corações psicadélicos, séries de borboletas de Damien Hirst ou filmes que almas mais sensíveis rotularão de hardcore. Pregado num mural, é dos poucos escritos em inglês e nele se conta, em poucas linhas, a estória de John e Angela. Dois anónimos que, numa variação à Paul Auster da eterna fórmula “boy meets girl”, se conheceram há cinco anos numa das discotecas mais famosas de Viena.
Estava John, britânico, encostado ao balcão do bar, atordoado pelo
Wiener Gemütlichkeit (easygoing austríaco) e por uns copos a mais, quando se aproximou uma bela rapariga austríaca. Ela deixou-lhe na mão uma mortalha com um número de telefone e desapareceu na neblina de fumo. Não trocaram uma palavra.Com medo de ter sido uma alucinação, John esperou pela luz do dia para mandar um SMS à misteriosa aparição: “Quem és tu?”. A resposta não tardou. Angela, assim se chamava ela, marcou um encontro para essa mesma noite. O primeiro de muitos. Estão juntos até hoje.

Rote Bar, Volkstheater, Viena, D.R.

Flex é a discoteca onde tudo aconteceu. Desemboco aqui já a madrugada vai alta ― e nem sequer é uma figura de estilo rebuscada, pois o Flex fica literalmente à beira rio, junto à ponte Augarten ―, depois de ter navegado por vários bares de Lerchenfelder Gürtel, a norte do sétimo bairro. Estou acompanhado do DJ Bastillo, que faz de cicerone e me facilita a entrada. Lugares como o Loop, o Mezzanin, o Rhiz ou o Chelsea dividem a cena com o que já foi, e ainda é, uma espécie de bairro vermelho de Viena, com prostituição à vista desarmada, mas o Gürtel está a regenerar-se graças a fundos comunitários.

Passage, Viena, D.R.

Bastillo faz parte de uma nova geração de músicos, produtores e DJ’s que tenta agora a sua sorte na cena clubber vienense, e não só, depois do boom que catapultou para o estrelato internacional nomes como Kruder & Dorfmeister, responsáveis por alguns dos remixes de sucesso de Madonna. Fumo de cigarro, presença incómoda mas incontornável, e produções à parte ― quem fizer questão de ver gente bonita e ambientes mais sofisticados, vai ter de bater à porta de lugares da moda como o Passage, o Rote Bar (no Volkstheater) ou o Volksgarten, junto ao Bairro dos Museus ―, o certo é que este roteiro noctívago mais alternativo, mas com enorme aceitação entre os mais jovens, leva-me a tomar contacto pela primeira vez com o conceito de Kippen.

Passage, Viena, D.R.

No fundo, trata-se, tão só, de nos deixarmos levar pela atitude da música, independentemente do seu estilo ― do funky ou do jazzy à electrónica. O segredo, ou a diferença, está no facto de o som made in Viena, por mais intenso e envolvente que seja, nunca atingir aquele limiar insuportável em que a cabeça começa a latejar. Talvez seja um conceito difícil de traduzir por miúdos, mas a sensação é, asseguro, boa.

Flex, Viena, D.R.

Comprovo-o, precisamente, na pista de um Flex à cunha. Não há muito a (d)escrever sobre o Flex ― o ponto alto do espaço, que lembra um porão industrial, são os rebuçados e chupa-chupas numa parede de vidro por cima dos urinóis. Interessa mesmo é que os melhores DJ’s se pelam para actuar aqui, que o seu sistema de som é tido como um dos melhores na Europa e que consegue a proeza de reunir debaixo do mesmo tecto o tipo certinho de gravata e o matulão com rastas até à cintura. Tem o seu quê de decadente e de transgressivo, mas parte ― grande parte, arriscar-me-ia a dizer ― da sua graça está mesmo ai. E depois, o amor acontece. Mesmo nos lugares mais improváveis. Ou não.

GUIA PRÁTICO

Quarto do Roomz Vienna


COMO IR
A SkyEurope opera, quatro vezes por semana, um voo directo entre Lisboa (partida à 01h30) e Viena (partida às 21h30) com preços desde 29 euros por cada trecho.

ONDE FICAR
Roomz Vienna
Paragonstrasse, 1
Tel.: 00431 7431 777
Diárias desde 59 euros para um hotel de design moderno situado no 11º bairro, a dez minutos de metro do centro histórico.

15.11.07

Viena (4): pessoas e lugares

Katrin e Sofia (fotografadas por Nuno Filipe Oliveira para a Rotas & Destinos)


Conheci a Sofia Podreka e a Katrin Radanitsch através do Nuno, que vive em Viena e já fotografou o trabalho destas duas jovens designers vienenses (como o original cabide à esq.), sócias na dottings, atelier dedicado ao design industrial, para várias revistas austríacas (e agora para a Rotas & Destinos, edição de Dezembro 2007). Quando chegámos ao seu atelier, instalado num andar cheio de luz, fui logo contagiado pela simpatia de ambas. A Sofia é mais extrovertida, a Katrin é mais tímida num primeiro contacto, mas foi ela que tomou a iniciativa, antes mesmo de nos sentarmos, de nos oferecer um café latte (com o devido copo de água, pois claro, que assim manda a cortesia austríaca!) e bolachinhas. Não foi nada complicado convencê-las a deixar-nos espreitar o seu caderno de moradas favoritas na cidade, que deixo agora aqui para quem interessar. Detalhe: as duas são grandes fãs das linhas dos anos 50 e dos grandes arquitectos austríacos, pelo que as suas escolhas reflectem isso mesmo.


Bed & Breakfast Martina Podreka, Viena, D.R.

DORMIR
Martina Podreka

Werdertorgasse, 15-20
Martina.podreka@chello.at
Bed & Breakfast, com design moderno, na Baixa vienense. Pertence a uma tia da Sofia.


Bed & Breakfast Martina Podreka, Viena, D.R.
ALMOÇO
Rebhuhn

Berggasse, 24
A “Perdiz” serve comida tipicamente austríaca.

Soho Kantine

Nationalbibliothek
Josefsplatz, 1
Café e comida tailandesa na Biblioteca Nacional.


Criações da Muhlbauer, Viena, D.R.

COMPRAS
Mühlbauer

Seilergasse, 10
Chapéus de todos os feitios para todos os gostos.

Moveis usados

Duas dicas: Glasfabrik e Lichterloh.

PAUSAS

Cafe Drechsler

Linke Wienzeile 22/Girardigasse 1
Reabriu em 2007 com decoração de Sir Terence Conran.

Fachada do Café Pruckel, Viena, D.R.

Café Prückel
Stubenring, 24
Fica frente ao MAK (Museu Austríaco de Arte Aplicadas) e passou por um período de degradação, mas agora está de novo na berra e a todos encanta pela sua atmosfera e decoração anos 50.

Zum Schwarzen Kameel
Bognergasse 5
Já Beethoven adorava a “Dália Negra”, uma casa muito elegante onde as senhoras bem postas de Viena adoram almoçar e lanchar. Deliciosas sandes frescas e bolinhos de perder a cabeça.

LAZER

Krieau

Nordportalstrasse, 247
Três discípulos de Otto Wagner desenharam um dos mais antigos hipódromos da Europa.

JANTAR

Palmenhaus

Burggarten
Fica numa estufa de Friedrich Ohmann, um dos mais belos exemplares de arte nova vienense, com serviço de bar e restaurante de cozinha austríaca moderna.

Expedit Bar
Wiesingerstrasse 6, com a Biberstrasse
Antigo armazém convertido em bar e templo da boa cozinha italiana.

Palmenhaus, Viena, D.R.

SAÍDAS
Loos American Bar
Kärntner Durchgag, 10
Desenhado por Adolf Loos, em 1903, é o preferido de muito jovens designers.

Volksgarten
Burgring, 1
Possui um clube nocturno da moda e um bar-anfiteatro, mas o preferido é o pavilhão de Verão, encerrado no Inverno, desenhado por Oswald Haerdtl em 1958, conhecido por “Bananas”.

Café da Palmenhaus, Viena, D.R.

14.11.07

Viena (3): perdições

Stephansplatz. Viena, D.R.

Seja qual for o nosso desígnio em Viena, dificilmente não cruzaremos, uma vez que seja, a Stephansplatz, onde está ancorada a Catedral de São Estêvão. Num dia de sol, ficamos ofuscados pelo telhado cintilante, revestido por milhares de ladrilhos, mas será sempre a sua agulha gótica, a 137 metros de altura, a guiar-nos os passos. Foi também aqui, no coração do primeiro bairro, onde o traçado apertado das ruas é próprio de uma Viena medieval, que se fez uma tentativa pioneira de lançar uma ponte entre o passado e o futuro. A Haas Haus, curvilínea e assimétrica, surgiu em 1990 pela mão de Hans Hollein e se, de início, muitos franziram o sobrolho àquela estrutura de vidro e mármore esverdeado ― e ainda assim terão sido mais comedidos do que o arquiduque Franz Ferdinand, que, em 1912, não teve sensibilidade suficiente para entender a escassez de ornamentos da Loos Haus ―, o facto é que agora já ninguém questiona a sua presença junto à catedral e o prédio passou mesmo a contar, desde 2006, com um design hotel, o Do & Co, nos andares superiores.


Demel, Viena, D.R.

Demel, Viena, D.R.


Os apreciadores do comércio tradicional e das boas marcas não desdenharão as vitrinas luxuosas do Graben e da Kärntnerstrasse. Apenas o excesso de néons interfere, a meu ver, na solenidade dos edifícios, mas é uma zona vibrante mesmo ao lusco-fusco. Transito para a Viena imperial, nas ruas em redor do complexo de Hofburg, onde ficavam os aposentos reais. Os turistas, com mantas nos joelhos, acenam nas carruagens que passam, mas artérias como o Kolhmarkt, que vai dar à Michaelerplatz, merecem ser calcorreadas para se desfrutar devidamente das várias lojas desenhadas pelo já citado arquitecto Hans Hollein. Já a fachada pomposa da confeitaria Demel foi encomendada a um discípulo do Atelier Vienense. A funcionar nesta rua desde 1888, a Demel faz-se cobrar pela tradição e pelo esplendor dos seus salões coroados por lustres. Na disputa pela autoria da torta Sacher, eu fico com a do hotel que lhe deu nome, mas as guloseimas da Demel são tantas e tão boas que até faço vista grossa à (longa) espera por uma mesa.


Demel, Viena. D.R.

13.11.07

Viena (2): museus

Leopold Museum, Viena, D.R.


Várias cadeiras, de design contemporâneo, incitam o visitante a sentar-se para melhor absorver os expressionistas austríacos amealhados por um coleccionador de excepção, Rudolf Leopold. Impressionam-me sobretudo os auto-retratos de Schielle e aquela que elejo como a minha obra favorita de tudo o que vi de Gustav Klimt: Morte e Vida. Sigo depois para o café do museu, mas aqui não sobram cadeiras livres... Espero e (quase) desespero ― dizem-me que é sempre assim, dia e noite.


Auto-retrato de Egon Schielle, D.R.


Morte e Vida, Gustav Klimt, D.R.

E o Leopold está longe de ser uma excepção no Museumsquartier, a dois passos do Hofburg, que fez do pátio interior das antigas cavalariças imperiais, onde antes se guardavam os coches, um ponto de encontro. Houve quem temesse que a arquitectura barroca do conjunto fosse sacrificada à modernidade fácil, mas hoje poucas ou nenhumas vozes se levantam para contestar o trabalho dos arquitectos Laurids e Manfred Ortner, autores do complexo onde figuram três museus, mas também restaurantes, lojas, livrarias e uma praça que vive agora pejada de pessoas a passear e, sempre que o tempo o permite, a apanhar banhos de sol nos módulos coloridos de fibra de vidro. Fala-se numa “revolução palaciana do século XXI”, que abriu caminho a novas intervenções no perfil conservador da cidade.


Vista aérea do Museumsquartier (ao centro), Viena, D.R.

Ao deparar-me com o cubo de basalto negro que dá guarida ao MUMOK (Museu de Arte Moderna) ― e a uma mostra magnífica, China facing Reality, até 10 de Fevereiro ―, não choro os 180 milhões de euros aqui investidos para criar um espaço maior do que Tate Modern de Londres, o Centre Pompidou de Partis ou o Getty Center de Los Angeles ― e que não esqueceu 100 descendentes dos moços das cavalariças, autorizados a habitar os apartamentos da ala reservada à administração.


MUMOK, Viena, D.R.


China Facing Reality, MUMOK, Viena, D.R.


O terceiro vértice do complexo é a Kunsthalle, instalada num edifício revestido a tijolos, que comemorou 15 anos de existência ao serviço da arte com mais de 125 exposições e dois milhões de visitantes. Terá maior ou menor interesse em função do que expõe, mas as suas duas lojas são óptimas ― na Lomo Shop, por exemplo, vende-se a lendária máquina de fotos instantâneas ―, bem como o restaurante, Halle, com design de Eichinger oder Knechtl, que, por si só, atrai muita gente. Fora do Museumsquartier, destaco o MUSA (Felderstrasse, 6-8), com uma a colecção de arte contemporânea desde 1945, por duas razões: uma nova galeria na reabertura; entrada livre.


Vista aérea da Museumsplatz, Viena, D.R.