28.11.07

Golegã (1): o hotel

Pela cortina mal fechada entra um feixe de luz que se detém no tecto e faz sobressair, como na técnica do claro-escuro, os seus ângulos agudos. A custo, separo-me do edredão fofo e vou até à janela. A neblina chegou de mansinho pela noite e não se foi embora. Distingo na bruma o casario baixo circundante, tão típico da Golegã, e o chalé de Carlos Relvas, mas não avisto, para lá dos limites da vila, a campina, com as suas alvercas e chaboucos, que ainda ontem lá estava. É tempo de descer, tomar o pequeno-almoço e o sol dar-nos-á um ar da sua graça. Mesmo num dia de Inverno como este.


Estúdio-museu Carlos Relvas, D.R.

Quem se habituou a associar a auto-proclamada capital nacional do cavalo ao rebuliço das duas primeiras semanas de Novembro, altura em que a Golegã atrai a si apreciadores e curiosos do mundo inteiro, talvez demore a acostumar-se à pacatez com que se vive aqui no resto do ano. O Hotel Lusitano, inaugurado há cerca de um ano, pretende beneficiar da proximidade de Lisboa ― sem trânsito, a viagem faz-se em menos de uma 1h30 ― para dar a conhecer a hospitalidade e a paisagem ribatejanas. Mas não vão à espera do óbvio. Do mesmo modo que estilizaram a figura do cavalo para fazer dele o seu ícone, apenas presente em subtis pormenores, Teresa e Raquel, duas engenheiras de formação que se encarregaram dos interiores, não recriaram no hotel a casa ou a quinta ribatejanas.


Vista geral do jardim e da ala nova


Sala de estar

José Dias Vieira comprou um belo casarão antigo a dois passos da igreja matriz e do pelourinho. Nele viviam antes duas irmãs idosas para quem a casa assimétrica de dois pisos se tinha tornado grande demais. O projecto de conversão em hotel foi então entregue ao arquitecto Francisco Quintanilha, entretanto falecido, que tratou, entre outras coisas, de altear o sótão para ganhar um segundo piso e de construir uma nova ala assumidamente contemporânea por contraste ao edifício original.

Bar visto a partir da sala de estar

Resolvida a questão arquitectónica, Teresa e Raquel, noras do proprietário, chamaram a si o desafio de dar conteúdo a um hotel de 24 quartos, em que apenas quatro são iguais, e transformá-lo numa unidade de charme contemporâneo, sem cair no cliché do design pelo design ou na tentação de enveredar pelo exótico-rural. Aproveitaram soalhos flutuantes, portadas e portas de origem, como a que separa a sala de estar do bar (e que se repete, no primeiro andar, no quarto 115), e trataram de as combinar, na casa antiga, com tons neutros e achocolatados, tecidos agradáveis ao toque, painéis em madeira rendilhada (há um particularmente bonito por cima da lareira, na sala), gravuras de Martins Correia cedidas pelo Museu Equus Polis e muitas peças escolhidas a dedo que Teresa, graças à sua loja de decoração (teresamatos@soladrilho.pt), garimpou junto de vários designers e artistas plásticos nacionais e estrangeiros.

Jarras sete dias criadas pela Tsé & Tsé


Almofadas de Teresa Martins

E foram detalhes como as almofadas bordadas de Teresa Martins, os apliques de parede Caboche, desenhados por Patricia Urquiola e Eliana Gerotto para a Foscarini, os candeeiros de Luísa Peixoto ou as jarras sete dias de cor opalina, de Sigolène Prébois e Catherine Lévy para a Tsé & Tsé, que não passaram despercebidos à revista Condé Nast Traveler e que já levaram as duas a serem convidadas para decorar um projecto nas ilhas Caimão. Aliás, todo o mobiliário escuro dos quartos, com linhas simples e ângulos rectos, é da sua autoria, sendo apenas combinado com roupa branca nas camas e tecidos, de cor verde ou laranja, da Designers Guild a forrar cadeiras e otomanas.

4 comentários:

Custódia C. disse...

E eu que nunca fui à Golegã? Pode ser uma ideia e o Hotel Lusitano parece ser muito acolhedor ....

Luís F. disse...

Um destino bem mais próximo e muito agradável… Assim, de repente, não me importava nada de despertar nesse ambiente que tão bem retrataste… provavelmente não me separava assim tão rapidamente do edredão fofo.

:)

marta r disse...

Gostei da ideia de fugir da recriação dos ambientes ribatejanos e gostei - por motivos óbvios - dos tons achocolatados...

Anónimo disse...

Bom..eu sou recepcionista neste belo hotel e digo-vos...a descrição que é feita neste blogue não está nada atrás da verdade!
Eu trabalhei em vários hotéis pelo país e sem dúvida alguma este é o mais bonito e acolhedor.(para não falar do atendimento que é sublime) aconselho a todos a visitarem o hotel.
ah e mais uma coisa, o Spa já abriu!