16.11.07

Viena (5): noite

Donaustadt, Viena, D.R.


Comparada com muitas das exposições, permanentes ou temporárias, em cartaz no Museumsquartier, True Romance: Alegorias de Amor desde a Renascença até ao Presente, em exibição até 3 de Fevereiro na Kunsthalle, é manifestamente fraca. Mas é aqui que acabo por encontrar, num desses acasos que não o são, um bilhete que não resisto a ler. Chego até ele depois de vaguear, ao som da sacerdotisa do amor Björk, por entre corações psicadélicos, séries de borboletas de Damien Hirst ou filmes que almas mais sensíveis rotularão de hardcore. Pregado num mural, é dos poucos escritos em inglês e nele se conta, em poucas linhas, a estória de John e Angela. Dois anónimos que, numa variação à Paul Auster da eterna fórmula “boy meets girl”, se conheceram há cinco anos numa das discotecas mais famosas de Viena.
Estava John, britânico, encostado ao balcão do bar, atordoado pelo
Wiener Gemütlichkeit (easygoing austríaco) e por uns copos a mais, quando se aproximou uma bela rapariga austríaca. Ela deixou-lhe na mão uma mortalha com um número de telefone e desapareceu na neblina de fumo. Não trocaram uma palavra.Com medo de ter sido uma alucinação, John esperou pela luz do dia para mandar um SMS à misteriosa aparição: “Quem és tu?”. A resposta não tardou. Angela, assim se chamava ela, marcou um encontro para essa mesma noite. O primeiro de muitos. Estão juntos até hoje.

Rote Bar, Volkstheater, Viena, D.R.

Flex é a discoteca onde tudo aconteceu. Desemboco aqui já a madrugada vai alta ― e nem sequer é uma figura de estilo rebuscada, pois o Flex fica literalmente à beira rio, junto à ponte Augarten ―, depois de ter navegado por vários bares de Lerchenfelder Gürtel, a norte do sétimo bairro. Estou acompanhado do DJ Bastillo, que faz de cicerone e me facilita a entrada. Lugares como o Loop, o Mezzanin, o Rhiz ou o Chelsea dividem a cena com o que já foi, e ainda é, uma espécie de bairro vermelho de Viena, com prostituição à vista desarmada, mas o Gürtel está a regenerar-se graças a fundos comunitários.

Passage, Viena, D.R.

Bastillo faz parte de uma nova geração de músicos, produtores e DJ’s que tenta agora a sua sorte na cena clubber vienense, e não só, depois do boom que catapultou para o estrelato internacional nomes como Kruder & Dorfmeister, responsáveis por alguns dos remixes de sucesso de Madonna. Fumo de cigarro, presença incómoda mas incontornável, e produções à parte ― quem fizer questão de ver gente bonita e ambientes mais sofisticados, vai ter de bater à porta de lugares da moda como o Passage, o Rote Bar (no Volkstheater) ou o Volksgarten, junto ao Bairro dos Museus ―, o certo é que este roteiro noctívago mais alternativo, mas com enorme aceitação entre os mais jovens, leva-me a tomar contacto pela primeira vez com o conceito de Kippen.

Passage, Viena, D.R.

No fundo, trata-se, tão só, de nos deixarmos levar pela atitude da música, independentemente do seu estilo ― do funky ou do jazzy à electrónica. O segredo, ou a diferença, está no facto de o som made in Viena, por mais intenso e envolvente que seja, nunca atingir aquele limiar insuportável em que a cabeça começa a latejar. Talvez seja um conceito difícil de traduzir por miúdos, mas a sensação é, asseguro, boa.

Flex, Viena, D.R.

Comprovo-o, precisamente, na pista de um Flex à cunha. Não há muito a (d)escrever sobre o Flex ― o ponto alto do espaço, que lembra um porão industrial, são os rebuçados e chupa-chupas numa parede de vidro por cima dos urinóis. Interessa mesmo é que os melhores DJ’s se pelam para actuar aqui, que o seu sistema de som é tido como um dos melhores na Europa e que consegue a proeza de reunir debaixo do mesmo tecto o tipo certinho de gravata e o matulão com rastas até à cintura. Tem o seu quê de decadente e de transgressivo, mas parte ― grande parte, arriscar-me-ia a dizer ― da sua graça está mesmo ai. E depois, o amor acontece. Mesmo nos lugares mais improváveis. Ou não.

GUIA PRÁTICO

Quarto do Roomz Vienna


COMO IR
A SkyEurope opera, quatro vezes por semana, um voo directo entre Lisboa (partida à 01h30) e Viena (partida às 21h30) com preços desde 29 euros por cada trecho.

ONDE FICAR
Roomz Vienna
Paragonstrasse, 1
Tel.: 00431 7431 777
Diárias desde 59 euros para um hotel de design moderno situado no 11º bairro, a dez minutos de metro do centro histórico.

3 comentários:

Custódia C. disse...

Nunca fui a Viena. Mas começa a parecer-me que no dia em que lá for, vou encontrar uma certa sensação de familiaridade.
Estes registos são muito tentadores ....
Bom fds!

Luís F. disse...

ADORO Kruder & Dorfmeister!!! E esse périplo nocturno pareceu-me bastante bem… Pior foi acordar na manhã seguinte, não?!

Suzi disse...

Tenho muito que ler, por aqui.
Trabalho demais, leitura amena de menos.
O bom dos blogs é isto. Fica tudo aqui, guardadinho, aguardando a leitura, mesmo que não seja em dia.
Eu volto.
Bj!