“Cariocas são bonitos / Cariocas são bacanas / Cariocas são sacanas / Cariocas são dourados / Cariocas são modernos / Cariocas são espertos / Cariocas são diretos / Cariocas não gostam / De dias nublado” (Cariocas, Adriana Calcanhotto). O Arpoador, na divisa entre Copacabana e Ipanema, passou a ter um rival de peso na cobertura do novo hotel Fasano Rio na hora de admirar o mais elogiado pôr-do-sol da cidade. É também aqui que encontro a piscina, com serviço de bar, mais bonita de toda a cidade, com direito, para além do já citado fim de tarde, a vista desafogada para toda a marginal que se estende de Ipanema ao Leblon, entre a pedra do Arpoador, de um lado, e o Morro Dois Irmãos, do outro.

O Fasano, mais um nome de São Paulo que chega ao Rio para marcar a diferença, abriu as suas portas em Agosto de 2007. Instalado num prédio de oito andares, discreto mas que dá logo no olho, este Fasano depressa se tornou o ícone do novo Rio chique, apesar de ainda não estar tão afinado em matéria de serviço como o seu irmão paulistano. Seja como for, Rogério Fasano não brinca em serviço; quando se juntou aos outros investidores no projecto, já eles tinham então contratado o designer de interiores Philippe Starck, não abdicou de ter uma palavra a dizer.

Da “fricção” de génios e pontos de vista divergentes, nasceu um consenso que se traduz no seguinte: a classe de Rogério sente-se, sobretudo, na recepção (lindo o balcão de cinco metros e seis toneladas, todo escavado num tronco único de pequiá), no lobby (onde mistura reproduções de mobiliário brasileiro dos anos 50 e 60 com marcas registadas de Starck como os enormes espelhos ou as cortinas a separar ambientes, mas aqui em palha de seda), no Londra (o bar do momento, com quase 100 capas de LP’s da sua colecção privada a forrar as paredes) e no restaurante Fasano al Mare (a cargo do chef Luca Gozzani, Rogério bateu o pé que queria colunas como as do aeroporto Santos Dumont, mas permitiu os lustres fabulosos de Murano). Já Starck teve maior “liberdade” na piscina, nos corredores (foi sua a ideia de colocar as poltronas Big Mamma, de Gaetano Pesci) e nos quartos (muito confortáveis, tendo como marca registada o espelho “gota de água”, também utilizado para reflectir a paisagem).

Foi um investimento brutal, que implicou importar material topo de gama dos quatro cantos do mundo. Com um total de 92 quartos, do mais simples com cama king size à suite de luxo, é certo que apenas pouco mais de 40 dão directamente para o mar. Os restantes têm de se contentar com os fundos, mas até ai a filosofia da casa prevalece e argumentam que mais vale ficar no pior quarto do melhor hotel do Rio do que num quarto medíocre com vista panorâmica. É um ponto de “vista”.

Além de estar a mudar o perfil do Arpoador, o Fasano, na esquina da Joaquim Nabuco com a Vieira Souto, também veio tornar mais disputado o quinhão de areal frente ao posto 8. De todas as praias urbanas do Rio, Ipanema continua a ser a preferida, mas convém não fazer confusões; cada trecho de areal carioca tem a sua identidade: o célebre posto 9, outrora símbolo do movimento hippie e da resistência à ditadura, serve de ponto de encontro para os corpos mais enxutos do Rio, ao passo que entre o 8 e o 9, face às ruas Teixeira de Melo e Farme de Amoedo, é onde se reúnem gays, simpatizantes e musas que não se importam de dar a cara (os mais discretos preferem a Reserva, no Recreio). Não por acaso, uma das novas boates da moda entre o público GLS, o 69, fica na esquina da Farme com a Prudente de Morais, ao lado da choperia Devassa.

Aliás, como em muitos outros pontos da cidade, aqui é fundamental ter, mais do que uma mera noção geográfica, uma percepção de como as coisas funcionam. Por uma questão de comodidade e segurança, os cariocas apreciam ter tudo o que precisam no seu bairro. Ipanema não é diferente e se o assunto é gastronómico, rume ao Quadrilátero de Charme, cheio de restaurantes e cafés recomendados. É precisamente neste perímetro que fica a mais nova casa de dois andares do Gula Gula (Rua Henrique Dumont, 57). Tudo começou com um modesto ponto no Leblon, onde o engenheiro Fernando de Lamare, o Fernandão, queria ocupar os dias de ócio. O sucesso foi tanto que hoje, passados mais de 20 anos, o seu filho Pedro e a neta, a chef Nanda, continuam o legado. Ao lado, no número 65-A, fica a Q-Guai, onde a dupla Amanda Haegler e Maria do Rosário encantam com três colecções ao ano de propostas femininas muito vivas e joviais.

Mas, em matéria de compras, não há como escapar à Visconde de Pirajá. Com trânsito nervoso e gente apressada como quase todas as avenidas no miolo do bairro paralelas à Vieira Souto, é aqui que encontro a minha livraria preferida no Rio, a Travessa (nº572), com café e uma filial no Shopping Leblon. Só perde em programação cultural para a Letras & Expressões (nº276). Entre as duas, no número 365, não tenho como falhar a Farm. Sem vitrina, a fachada da nova megaloja de 300 m2, é linda e já é conhecida por um fenómeno muito curioso: nos dias de maior movimento, os homens ― namorados, maridos, amigos, simples curiosos ― ficam sentados ou em pé nas escadas enquanto as suas acompanhantes, que se confundem com as vendedoras, conferem as novidades. A linha, alegre, colorida e descontraída, é a “cara da carioca” e o mérito é da estilista Kátia Barros (na foto), ela mesma uma filha do Rio, criada na praia do posto 6, que, apesar da expansão do negócio, não esquece que a sua inspiração está aqui.
A calar a boca dos que acusam Ipanema de se estar a “copacabanizar”, a Garcia d’Ávila (e, até certo ponto, a Maria Quitéria), perpendicular à marginal, é mais “o Rio a querer ser os Jardins, em São Paulo”; nota-se que as melhores marcas e restaurantes capricham especialmente na sua apresentação. Por oposição, o Mil Frutas Café, que ocupa uma loja para lá de acanhada no número 534-A, arriscava-se a passar despercebida, não fosse serem aqui vendidos os gelados mais amados da cidade.
3 comentários:
Miguelito
Ando um bocado ocupada, mas hoje parei para ler estes teus textos cariocas.
Gostei muito da introdução "poemária" :) Muito bem colocada!
Como sempre ficamos com vontade de apanhar o primeiro avião ... e tens aí fotografias muito boas :) já não basta escrever bem, não?
Bem... Essa piscina é qualquer coisa!
Fiquei impressionada com o balcão de seis toneladas e de um tronco único!!!!
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