21.12.06

Natal no Mundo (8)

Post dedicado aos cariocas de gema e de coração.

(Fogos na inauguração da Árvore de Natal, Rio de Janeiro, direitos reservados)

No Rio de Janeiro, a chegada do Natal marca também a entrada no Verão. A “Cidade Maravilhosa”, à beira-mar plantada, torna-se mais aberta e despojada. No nosso imaginário, treinado desde a mais tenra idade para associar à época frio e roupas pesadas, não há grande espaço para uma visão assim, mas, como já dizia Fernando Pessoa, primeiro estranha-se… e depois entranha-se. O certo é que os cariocas não dispensam o calor da festa nem as rabanadas à sua mesa em noite de Consoada. Cá como lá. Já falei aqui dela, da Árvore de Natal flutuante na Lagoa Rodrigo de Freitas, um símbolo do Natal carioca dedicado à família brasileira, mas outros eventos alusivos à quadra, como feiras, coros e exposições, acontecem um pouco por toda a cidade. Destaco duas coisas: a iluminação do Palácio da Ilha Fiscal (na foto acima), onde teve lugar o último baile do Império, e a Casa Julieta de Serpa, de que falarei a seguir.

Parte dois

(Natal 2006 na Casa Julieta de Serpa, direitos reservados)

O Flamengo, juntamente com o seu vizinho Botafogo, foi das primeiras localidades à beira-mar a serem ocupadas depois do centro da cidade, nos anos 1600, pelo que exibe ainda hoje, e à vista desarmada, resquícios de uma época em que era eleito para morada de famílias endinheiradas. É certo que o “cachet” de outrora mudou de endereço (está agora no Leblon e mais além, a oeste) e que o bairro se tornou popular, mas um passeio a pé por ali ainda nos revela mansões e villas mais ou menos intactas. Sem muito tempo para andar à deriva, fui direito ao casarão que mais me interessava, no nº340 da Praia do Flamengo.
Cheguei ali por indicação amiga, mas devia andar muito distraído para não ter reparado antes no endereço que se tornou moda entre a alta burguesia carioca e que tem servido de cenário a tudo o que é produção fotográfica com estrelas da televisão e do teatro. Trata-se de um legítimo palacete neoclássico, construído no início do século passado, que acolheu por cerca de 80 anos a família Seabra. Conta-se que surgiu como prova de amor de um homem que desejava oferecer a mais bela casa de então à sua jovem mulher, mas o facto de ter chegado aos dias de hoje, a funcionar como a Casa de Arte e Cultura Julieta de Serpa, também não deixou de ser um acto de filantropia. É que depois de vendida pelos herdeiros, a casa esteve para ser demolida para dar lugar a um imóvel mais rentável, mas o professor Carlos Serpa de Oliveira comprou-a e resolveu fazer dela um espaço polivalente dedicado à memória de sua mãe, uma amante da cultura e das artes.

Com uma arquitectura elegante e um recheio faustoso, que inclui vitrais, mobiliário, tapetes e até portas vindos da Europa, a casa causou sururu num Rio dado à informalidade, mas que não dispensa um toque do “velho mundo”. E como cultura é bom, mas não consegue por si só custear a manutenção de um palacete, o professor, que se prepara para abrir em breve um antiquário nas águas furtadas, teve a ideia de aproveitar as várias divisões para criar um restaurante de alta gastronomia (Le Blason), um salão de chá (Salon d’Or), um piano bar (J Club), um bistrô provençal (instalado na antiga cozinha), e um espaço todo modernaço, onde o neoclássico é misturado com peças de design contemporâneo, para refeições ligeiras e lanches. Nesta última área, com cortinas suspensas, a colagem deliberada ao estilo habitual de Philippe Starck espantou-me, mas o impacto é garantido. Pelo meio, há quem acuse a casa de pretensiosismo e de desajustada à realidade carioca, mas, o certo é que os seus eventos vivem lotados e na programação cultural não faltam exposições e sessões de cinema e teatro para crianças desfavorecidas (como na foto acima).


(Presépio da Casa Julieta de Serpa, direitos reservados)

Quem vem de fora achará, porventura, demasiado “afrancesado”, mas que isso não nos impeça de partilhar a alegria de quem ali vive e delira com uma casa que, em pleno Natal tropical, não tem pejo em se enfeitar a rigor com o maior presépio da cidade e de se deixar embalar pelos cânticos que vieram do frio. Afinal, são as contradições que tornam também o Rio irresistível. (trecho adaptado da reportagem “Cidade de Deus e do Homem”, publicada pelo autor na revista Volta ao Mundo, Dezembro de 2006)

6 comentários:

marta r disse...

Nunca tinha ouvido falar da Casa Julieta de Serpa mas, realmente, parece ser um sítio fantástico. Seja ou não afrancesado.

Calor no Natal é que não. É muito esquisito.

Anónimo disse...

Pois é Marta, a nossa amiga Suzi que nos desculpe, mas estou contigo: Natal é com frio.

Anónimo disse...

É tão lindo ver pelos olhos de outro a beleza da nossa própria cidade, de seus cantos, seus palácios, seus encantos...

Amei! Realmente UMA HONRARIA, ter o Rio na série "NATAL NO MUNDO".

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Miguel, você reparou, lá no "blogdasuzi" que a Ilha Fiscal também está ao fundo, na segunda foto de hoje?

E meus dois queridos Martinha e Miguelito, Natal é verão, e virada do ano também! Eu nem consigo imaginar os fogos em Copacabana, no meio do frio!! rsrsrsrsrsrs*

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Sabem que aqui, no Natal, se consomem nozes, castanhas, avelãs, essas coisinhas próprias do inverno, não sabem? Totalmente inapropriado para a estação, esse cardápio. Mas é que quando importaram a roupa do Papai Noel (Pai Natal), importaram com tudo o que ele carregava nos bolsos e na sacola!

Beijos. Já falei demais!
:o)

Anónimo disse...

Suzi:
Não fiquei convencido com o Natal no Verão... Agora em relação à passagem de ano, 100% de acordo. Tem tudo a ver com calor e só tenho pena de nunca ter conseguido estar no Rio nessa altura para ver os fogos de Copacabana. Com o Carnaval a mesma coisa, aqui, em Fevereiro, não tem a menor graça e o pior é que eles insistem em sair com escolas de samba e mulatas despedidas para imitar o do Rio. Pode?

Custódia C. disse...

E se tiver que passar um Natal com tempo de Verão, que seja no Rio :)

Suzi disse...

Hohohoho!!!
Então, tá combinado. No Natal, Pai Natal fica com seu gorrinho e de roupinha quente, com direito a lareira e tudo; na virada do ano vamos todos "à la playa!"

Quanto ao Carnaval... acreditem! Quando fico no Rio é praia direto. E isso é, pra mim, o melhor do carnaval: não ter hora pra acordar e muito sol na cabeça! rsrsrs*

(dos desfiles, gosto mesmo é de ver o resumo, no dia seguinte, com os carros que quebraram, quem escorregou, a asa da águia da portela arrebentada... rsrsrsrsrs)