12.12.07

St. Moritz: parte 1

Vista do quarto 409 do Badrutt's Palace, em St. Moritz


À entrada está estacionado um dos Rolls-Royce do hotel. O taxista, português como quase todos aqui, faz a manobra possível para me deixar o mais perto que consegue da porta principal, mas, ainda antes de perguntar quanto lhe devo, já me está a responder a uma outra questão que não fiz. Não em voz alta, pelo menos. A temporada está só a começar e ainda é demasiado cedo para as celebridades que, ano após ano, colocam St. Moritz nas páginas das revistas cor-de-rosa.

A reabertura do Badrutt’s Palace, que se dá religiosamente a 5 de Dezembro, é um catalisador da agenda social de St. Moritz. Não é para menos. Se esta estância fez do Inverno um acontecimento ansiosamente aguardado, tal só foi possível porque um senhor chamado Johannes Badrutt, após a compra de uma pensão de 12 quartos que esteve na origem do que é hoje o hotel Kulm, viu no vale de Engadine, no cantão suíço de Graubünden, perto da fronteira com Itália, potencial para tal.

É claro que na altura, em 1864, a ideia soava a um perfeito disparate; afinal, quem se podia dar a esse luxo tinha precisamente por hábito “refugiar-se” nas zonas mais temperadas da Europa para escapar aos rigores da estação. Foi então que Badrutt desafiou quatro amigos britânicos que costumavam passar o Verão no vale: eles voltariam no Inverno com a premissa de que se não gostassem, ele assumiria todas as despesas da sua deslocação e estada. Como acharam que não tinham nada a perder, aceitaram o repto, mas gostaram tanto que chegaram antes do Natal e só se foram embora depois da Páscoa.

O resto é história. O Badrutt’s foi o primeiro hotel dos Alpes a ostentar o nome Palace ― e o primeiro também a inaugurar uma arquitectura algo pesada que viria a fazer escola, arriscar-me-ia a acrescentar ― e só não perdeu a conta a todas as figuras sonantes que já acolheu ao longo dos tempos porque as suas identidades, e respectivas histórias, ficam devidamente registadas nos anais. É assim até hoje por mais sombra que lhe façam os seus concorrentes directos ― o Kulm, a Suvretta House e o Carlton, este último, aliás, reabriu em Dezembro, depois de uma remodelação de 40 milhões de euros, como o primeiro hotel de luxo da região só com suites.

Quem não está habituado a frequentar St. Moritz pode interrogar-se como uma cidade pequena, com uma população fixa que não chega aos seis mil habitantes, pode sobreviver apenas com duas temporadas ao ano ― de Dezembro a Abril e de Junho a Setembro ―, ficando os restantes meses adormecida e quase sem actividade. Pois tal só é possível porque para o grosso dos visitantes ― cerca de 63% são estrangeiros, com a Alemanha e a Itália na dianteira, a que não serão alheios a proximidade geográfica e o facto de aqui se falar alemão e romanche ―, independentemente de ter mais ou menos pergaminhos, de ser mais ou menos mediático, dinheiro não é problema e vêm dispostos a gastar muito em pouco tempo. Tão simples quanto isto.

E o que tem St. Moritz, e o Badrutt’s já agora, de tão especial para merecer a fidelidade de pessoas que vieram de férias com os seus pais e agora continuam a vir com os seus filhos? Da varanda do quarto 409, virada para o lago, avisto uma cidade dividida em Dorf, o centro com os seus hotéis, lojas e chalés, e Bad, a periferia com blocos de apartamentos e centros desportivos. Gostaria de dizer que formam um todo harmonioso, mas estaria a fugir à verdade.

Na realidade, o que explica até certo ponto o apelo irresistível de St. Moritz é, para começar, a sua localização, entre montanhas e à beira de um lago, mas também, e sobretudo, uma vivência mundana muito própria proporcionada por locais badalados, eventos como corridas de cavalo e campeonatos de pólo no gelo que obrigam a reservar alojamento com grande antecedência e uma mão cheia de chefes talentosos que, longe de se limitarem a recriar especialidades locais como a gulosa tarte de nozes e mel, podem praticar uma cozinha de autor e fazer-se cobrar por isso. Só depois vêm o esqui e os outros desportos.

Pode parecer que estou a perverter a ordem natural das coisas, mas, ironias à parte, não ando muito longe da verdade. O Badrutt’s, mais uma vez, é bom barómetro deste frenesim social de St. Moritz. Claro que o hotel leva os seus hóspedes até ao funicular e vai buscá-los no regresso com direito a chocolate quente, mas o que parece contar mesmo é que entre os seus restaurantes possui um Nobu, o japonês mais famoso do mundo; que os muitos cadeirões e sofás do seu grande hall não chegam para sentar toda a gente que ali se reúne no pós-esqui para ver e ser vista; ou ainda que o seu concièrge não se acanha, como assisti certa noite, a fazer os telefonemas necessários para conseguir uma passagem aérea de última hora entre Nova Iorque e Casablanca se isso lhe for pedido.


Chesa Futura, em St. Moritz, D.R.


Seja como for, St. Moritz não se resume aos salões do Badrutt’s. A abertura oficial da temporada de Inverno 2007-2008 começou a 24 de Novembro, mas, à semelhança do que sucedeu em anos anteriores, a maioria dos estabelecimentos só reabre entre a segunda e a terceira semanas de Dezembro. Acontece que as condições meteorológicas dos últimos meses têm permitido honrar, como uma fartura como há muito não se via, a tradição de St. Moritz, que se gaba de possuir neve de 1 de Dezembro a 1 de Maio, pelo que alguns, não muitos, anteciparam a sua abertura. Melhor ainda quando à neve se junta um sol radioso, o que parece não ser nada de extraordinário por aqui ― os manuais locais, pelo menos, não se cansam de frisar que tal fenómeno se deve à alta atitude e ao alinhamento das montanhas.

Do conjunto de montanhas com infra-estrutura para a prática de desportos de Inverno que cerca St. Moritz, Corviglia é, sem dúvida, aquela que fica mais acessível. O funicular sai da via San Gian, mas obriga a uma mudança em Chantarella. Vale a pena fazer uma paragem aqui, sobretudo ao entardecer, pois é um dos melhores pontos de observação da cidade à beira do lago e uma boa maneira de apreciar de perto os chalés rústicos e os blocos de apartamentos, destinados apenas aos muito ricos, que cravaram os seus alicerces nas encostas íngremes.

É o caso da Chesa Futura. Desenhado pela firma de arquitectura do britânico Norman Foster, o arquitecto-estrela armado cavaleiro pela rainha, este bloco de apartamentos ― e diz-se que Foster, incondicional de St. Moritz, reservou a penthouse para si ― foi construído em madeira, vidro e aço e, como começa ser hábito na obra mais recente de Foster, a sua peculiar forma orgânica já lhe valeu a alcunha de “amendoim”. Parece-se mais a um feijão, mas o certo é que criou uma nova marca indelével na paisagem da cidade. Depois, goste-se ou não, faz uma fusão notável entre a engenharia de ponta e técnicas locais ancestrais de construção.

7 comentários:

marta r disse...

Esse tal Badrutt é que foi um visionário!

Adorei a parte do "leva os seus hóspedes até ao funicular e vai buscá-los no regresso com direito a chocolate quente".... Hummmmmm.... que bom!!!!

Custódia C. disse...

Atrevo-me a dizer que é um outro mundo!
Fez-me lembrar um Natal que passei numa estância francesa Gex-la-Ville, não tão "glamourosa" como esta, mas também muito encantadora....
A neve provoca em nós, gente do sol, um efeito mágico, verdade?

Luís F. disse...

Fiquei com vontade de umas férias na neve... e agora?!

Suzi disse...

eu invejei esse desafio... esse tal de Badrutt era um cara legal mesmo!! tb iria passar um inverno inteirinho, nessas condições. já pensou se eu gosto????

;o)

p.s.
quanto ao mais, quero detalhes do tipo: dia e hora de desembarque, período de estada, blá-blá-blá... tudo!
:o)

Suzi disse...

sacou?
sacou qual é a do p.s.?

Unknown disse...

Gostei muito da descrição de St. Moritz, porque corresponde á verdade.
Já estive lá por duas vezes e lá volto este ano.
Conheço praticamente todas as grandes estâncias dos Alpes e na verdade St. Moritz para mim é a melhor.
Pappa

Anónimo disse...

necessario verificar:)