16.10.07

Pessoas e lugares (1)

Quem viaja em trabalho com uma certa regularidade e o faz, para mais, anos a fio, como é o meu caso, acaba por desenvolver uma “capa” que não nos torna imunes às muitas pessoas que vamos conhecendo de passagem ― até porque isso seria um autêntico desperdício e há lugares que valem, sobretudo, por elas, as pessoas ―, mas que nos ajuda a relativizar as coisas. Afinal, a experiência diz-nos que não voltaremos a encontrar a maioria das pessoas com quem jantámos ou até mesmo, nalguns casos, passámos vários dias agradáveis. Mas existem excepções ― as tais que confirmam sempre a regra.


Valérie Golinvaux, belga, 37, radicada em Marraquexe há mais de nove anos, é uma delas. Conheci a Valérie durante uma reportagem que realizei naquela cidade marroquina em Fevereiro de 2006. Ela era então a directora de marketing de uma casa fabulosa na Palmeraie, o Dar Zemora, onde tive o privilégio de me hospedar. Conversa vai, conversa vem, acabámos por ficar amigos, ela deu-me dicas preciosas para a matéria e fui mesmo, numa dessas noites, à sua festa de aniversário. Já então, e dada a sua experiência considerável em gestão hoteleira e o seu gosto pela decoração de interiores ― o que a levou a contactar, desde cedo, com vários artesões locais e até a ser chamada, certa vez, às pressas para redecorar uma suite onde viria a ficar Brad Pitt, que se encantou dos objectos escolhidos por ela e, no final, comprou tudo e levou para casa! ―, Valérie fez questão de me dar a conhecer a sua futura casa de hóspedes. Situada numa ruela esconsa de terra batida, a dois passos da artéria Riad Zitoun Jdid, no bairro da Kennaria, pressenti logo tratar-se de um achado tendo em conta a localização, a dois passos da praça Jemaa-el-Fna. Mas como estava ainda em obras, tive de me guiar pelas suas palavras para imaginar como ficaria.


A casa, de seu nome Xokomaïtea, viria a ser inaugurada em meados de 2006. Não voltei a Marrequexe desde então, mas não perdi o contacto com a Valérie. Talvez por isso, agora que surgiu a possibilidade de escrever um artigo sobre Bed & Breakfast para uma revista de viagens portuguesa, nem pensei duas vezes em citá-la. A sua casa tem apenas dois quartos pequenos, mas confortáveis e com casas de banho, sendo que os hóspedes têm também acesso ao pátio central ― onde não faltam almofadões entre laranjeiras e buganvílias ―, à sala de estar com lareira e kitchenette para quem quiser cozinhar, e ao terraço superior (com chuveiro ao ar livre e mobiliário para exterior da Knoll). Pedi-lhe para me enviar algumas fotos e pude comprovar, com alegria, que lá estão as portadas, e o varandim de ferro forjado à volta do primeiro piso, pintados de um verde e azul muito vivos como ela me havia descrito quando tudo não passava de um esboço, bem como uma série de pequenos detalhes que são a sua “cara”. A Valérie vive agora para a Xokomaïtea e para a decoração de interiores a tempo inteiro, e recebe ― junto à mascote da casa, Gag, um meigo Labrador de quase três anos ― com simpatia e informalidade quem ali chega à procura de uma alternativa mais modesta, mas familiar e com alguns toques de autor, aos dispendiosos riads tão na moda em Marraquexe, mas onde raramente se consegue ficar por menos de 100 euros por noite.


Um destes dias, tenho a certeza, vou voltar a Marraquexe e ai poderei reencontrar a Valérie e ser recebido como se estivesse em casa de velhos amigos. Talvez por isso, este é o tipo de dica que eu gosto de partilhar e de passar adiante.







Xokomaïtea
Riad Zitoun Jdid, Kennaria tel.: +212 (0)6124 6524 valerie_gogo@hotmail.com
Quartos duplos a 55 euros por noite com pequeno-almoço


4 comentários:

Luís F. disse...

Nada como turismo personalizado… fazes bem em passar essa mensagem, para além de que fazes amizades por todo o lado…

Custódia C. disse...

Miguel, já tinha saudades de viajar, através da tua escrita :)
Lembrar-me-ei se um dia for a Marraquexe!

Loyana Camelo disse...

Absurdamente bem escrito. Adorei...

Zorze Zorzinelis disse...

Supernova: Claro que está absurdamente bem escrito! Mas Miguel, sabes que eu tenho sempre a sensação de que vou reencontrar as pessoas que tenho conhecido nas viagens - embora as hipóteses sejam muito reduzidas! Abraço forte - n te preocupes, tb tenho tido muito pouco tempo. Boas viagens, amigo!!!